Wednesday, September 12, 2012

Lisboa e Porto

Lisboa e Porto namoravam às escondidas. Era um segredo bem guardado pois os amigos de uma e de outro não enxergavam este romance com bons olhos. Mesmo que não tivessem coragem de o confessar, para não ferir os sentimentos dos apaixonados, isto era um caso de traição e só poderia acabar mal. Porto, mas o que te passou pela tarola? É mulher de guita, é isso? Não podias ter pescado uma catraia das nossas, meu trengo? - murmurava A Menina Nua, rodeada de pombos, que lhe davam razão, quando ele atravessava a Avenida dos Aliados, para alcançar o estacionamento. Porto virava costas à estátua branca e recitava, em tom insolente, Lisboa com suas casas/De várias cores, /Lisboa com suas casas/ De várias cores…!Lligava o motor do seu carro e seguia ao ritmo do seu coração, eram três horitas de viagem, que ele era cauteloso. Cruzava as amplas avenidas e dava graças por ser fim de semana e não haver trânsito. E depois ela abria os braços para ele, a luz a iluminar-lhe o olhar claro, a sua linda Lisboa. Pulavam pelas sete colinas, ele sussurava-lhe que todas as grandes cidades se situavam em colinas, assim Lisboa, assim Roma, e subiam ao castelo de S.Jorge, depois desciam até à baixa, cansados e felizes, Oh, Lisboa, casas comigo? Lisboa ria-se, fazia covinhas nas bochechas quando apontava a fachada rendilhada do Mosteiro dos Jerónimos, ali, meu amor, ali? Sentados num café dividiam um pastel de Belém e tomavam uma bica, dizia ela, ele dizia que era um cimbalino. Ela, bica. Ele, cimbalino. Ó, cala-te lá. E riam os dois. Caminhavam junto ao Tejo de mão dada, contavam gaivotas. Davam-lhe nomes. Porto diz-lhe que não sabe porque é que o símbolo de Lisboa é um corvo, devia ser a gaivota. Diz, Lisboa, já viste um corvo por aqui? Lisboa disse que não, mas que já tinha visto uma cabeça de rinoceronte esculpida em pedra e levou-o à Torre de Belém. Se a descobrires, pago-te o almoço, disse-lhe rindo! E enlaçados ficaram pela tarde fora, num banco junto ao Tejo, vendo os navios, até que o pôr do sol os envolveu lentamente num beijo. E passados oito dias, Lisboa apanhava o comboio na Gare do Oriente e subia ao norte, o coração ansioso, os olhos emocionados quando via o Douro a luzir, lá em baixo, e ela temendo que o rio adivinhasse o seu segredo e o desguasse no mar… Lisboa, apaixonada por um tripeiro? – parece que ouve o rio dizer, uma alfacinha de nariz empinado e palavras sempre educadas, isso não, mulher. O teu fado é a Mouraria, a Alfama, volta para as tuas ruas da amargura, vai cantar a tua desdita à luz das velas, num tasco escondido. Lisboa estremece mas os seus olhos descobrem Porto à saída de S. Bento e logo esquece os seus receios. Quando o viu a primeira vez, a emergir da bruma, algo sombrio, quase taciturno, achou-o belo e cheios de histórias para contar. Corre para ele. Juntos são uma torre de força, como a Torre dos Clérigos, que se ergue acima deles, está de vigia, segue os amantes pelas ruas apertadas, as suas vozes fazem eco e os gatos fogem às suas passadas! Cheira a vinho, farturas e sardinhas assadas. Ao longe, o som dos martelinhos. É S. João. É a primeira vez que Lisboa vem ao Porto passar o S.João. Isto é como as Marchas de Lisboa? , – pergunta. Não sei, Lisboa, eu nunca vi as Marchas, diz o Porto. Mas depois tu verás. Desceram até à Ribeira, atravessaram a Ponte D.Luis, e sentam-se à mesa, numa esplanada voltada para a cidade. Hoje toda a gente come sardinhas mas eu quero que tu proves um prato especial. Porto pediu tripas e Lisboa contorceu-se, eu não vou conseguir comer isso, disse, com horror, nunca! Mas ou a fome apertou, tal como nos tempos do Infante D. Henrique, ou o amor venceu, Lisboa fez das tripas coração. Agora és uma verdadeira tripeira, disse-lhe Porto! À meia-noite o fogo de artifício desenhou uma ponte de luz sobre o rio Douro, e quando a TV fez o directo, Lisboa e Porto apareceram na televisão, os rostos iluminados por uma luz maior, e de norte a sul de Portugal, as duas cidades nunca pareceram tão próximas.

Texto distinguido no blogue A cidade na ponta dos dedos

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